quarta-feira, junho 27, 2007

Pablo Neruda

"Não te quero a não ser porque te quero
e de te querer a não te querer chego
e de te esperar quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo.

Só te quero porque é a ti quem quero,
sem fim te odeio, e com ódio te peço,
e a medida do amor meu, viageiro,
é não te ver e amar-te como um cego.

Talvez consuma a luz de janeiro, seu raio cruel, meu coração,
de mim roubando a chave do sossego.
Nessa história só eu morro
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero, amor, a sangue e fogo."

- Cem sonetos de amor -

domingo, junho 24, 2007

A.

Os dias do silêncio

Não sei porque chegam os dias do silêncio.
Atam as mãos, a boca, a alma.
Há palavras paradas na voz sem caminho de saída.
Sei-as mas não as junto na única frase necessária naquela tonalidade certa.
As letras afogam-se em mim e afogam-me nelas.
Náufrago de mim procuro a luz da saída
Formo a palavra chave , a primeira que liberta o grito fechado.
Será assim (re)nascer?

sábado, junho 23, 2007

Ernesto Cardenal

Perder a Ti

"Ao perder a ti
Tu e eu perdemos
Eu porque tu eras
O que eu mais amava
E tu porque eu era
A que te amava mais

Contudo, de nós dois,
Tu perdeste mais do que eu:
Porque eu poderei amar
A outros como amei a ti
Mas a ti não te amarão
Como te amava eu"

sexta-feira, junho 15, 2007

Alvaro de Campos

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...

Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo... Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...

terça-feira, junho 12, 2007

Cecília Meireles

"Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão;
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo: quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? - me perguntarão. -
Por não ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras ?
Tudo.
Que desejas ?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação ...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão ! Estandarte triste de uma estranha guerra ... )
Quero solidão. "

segunda-feira, junho 11, 2007

Álvaro de Campos

"O que há em mim é sobretudo cansaço ...
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço.
A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas -
Essas e o que falta nelas eternamente - ;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço..."

domingo, junho 10, 2007

Clarice Lispector

"Sei que se eu abandonar o que foi uma vida toda organizada pela esperança, sei que abandonar tudo isso - em prol dessa coisa mais ampla que é estar vivo - abandonar tudo isso dói como separar-se de um filho ainda não nascido, só prometido, e isso machuca. Mas sei que ao mesmo tempo quero e não quero mais me conter. É como na agonia da morte: alguma coisa na morte quer se libertar e tem e tem ao mesmo tempo medo de largar a segurança do corpo. Sei que é perigoso falar na falta de esperança, mas ouve - está havendo em mim uma alquimia profunda, e foi no fogo do inferno que ela se forjou. E isso me dá o direito maior: o de errar. "