sábado, agosto 25, 2007

Shakespeare

Soneto XLVII

Há uma união entre o que vejo e o que sinto,
E o bem de cada coisa verte de uma em outra:
Quando meus olhos anseiam por um olhar,
Ou coração apaixonado, brando, a suspirar,
Meus olhos celebram a imagem do meu amor,

E, diante do banquete, se rende a minha emoção;

Em outro tempo, meus olhos se aninham ao sentimento,
E aos seus pensamentos de amor se unem:
Então, seja por tua imagem ou pelo meu amor,

Estás, mesmo longe, sempre comigo;

Pois não corres mais do que os meus pensamentos vão,
E eu estou sempre com eles e, eles, contigo;

Ou, se adormecem, a tua imagem à minha frente
Desperta o meu amor para a alegria dos olhos e do coração.'

...

' Embora em ti esteja minha alegria, nenhuma alegria me causa o juramento desta noite;
é por demais brusco, temerário, repentino, muito semelhante ao relãmpago que se extingue antes que possamos dizer: "está relampejando!".

Doce coração, boa noite! Este botão de amor, sazonado ao hálito ardente do estio, talvez se haja convertido em bela flor, quando de novo voltarmos a ver-nos.

Boa noite! Boa noite! que tão doce e calmo repouso alcance teu coração, como o que se alenta dentro de meu peito!'

(Shakespeare)


'Guardei-me para ti como um segredo
Que eu mesma não desvendei:
Há notas nesta guitarra que não toquei,
Há praias na minha ilha que nem andei.
É preciso que me tomes, além do riso e do olhar,
Naquilo que não conheço e adivinhei;
É preciso que me ensines a canção do que serei
E me cries com teu gesto
Que nem sonhei.'

(Lya Luft)


' O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...'

(Fernando Pessoa)

Clarice Lispector

Quando fazemos tudo para que nos amem...e não conseguimos, resta-nos um último recurso, não fazer mais nada. Por isto digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado...melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não façamos esforços inúteis, pois o amor nasce ou não espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes é inútil esforçar-se demais...nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende a nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho...o de nada mais fazer.

Crônica : Inutilidade - livro Correio Feminino

quarta-feira, agosto 22, 2007

F. Nietzsche

''... livrai-vos de ser injustos com os solitários.
Como poderia um solitário esquecer? Como poderia devolver?
Um solitário é como um poço profundo.
É fácil lançar nele uma pedra; mas se a pedra vai ao fundo quem se atreverá a tirá-la?
Livrai-vos de ofender o solitário; mas se o ofendestes então, matai-o também!”

F. Nietzsche

(...)
Eu só amo aqueles que sabem viver como que se extinguindo, porque são esses os que atravessam de um para outro lado.

Amo o que ama a sua virtude, porque a virtude é vontade de extinção e uma seta do desejo.

Amo o que não reserva para si uma gota do seu espírito, mas que quer ser inteiramente o espírito da sua virtude, porque assim atravessa a ponte como espírito.

Amo o que faz da sua virtude a sua tendência e o seu destino, pois assim, por sua virtude, quererá viver ainda e deixar de viver.

Amo o que não quer ter demasiadas virtudes. Uma virtude é mais virtude do que duas, porque é mais um nó a que se aferra o destino.

Amo o que prodigaliza a sua alma, o que não quer receber agradecimentos nem restitui, porque dá sempre e se não quer preservar.

Amo o que se envergonha de ver cair o dado a seu favor e que pergunta ao ver tal: “Serei um jogador fraudulento?” porque quer submergir-se.

Amo o que solta palavras de ouro perante as suas obras e cumpre sempre com usura o que promete, porque quer perecer.

Amo o que justifica os vindouros e redime os passados, porque quer que o combatam os presentes.

Amo aquele cuja alma é profunda, mesmo na ferida, e ao que pode aniquilar um leve acidente, porque assim de bom grado passará a ponte.

Amo aquele cuja alma transborda, a ponto de se esquecer de si mesmo e quanto esteja nele, porque assim todas as coisas se farão para sua ruína.

Amo o que tem o espírito e o coração livres, porque assim a sua cabeça apenas serve de entranhas ao seu coração, mas o seu coração, o leva a sucumbir.

Amo todos os que são como gotas pesadas que caem uma a uma da sombria nuvem suspensa sobre os homens, anunciam o relâmpago próximo e desaparecem como anunciadores.

Vede: eu sou um anúncio do raio e uma pesada gota procedente da nuvem ...

(...)

F. Nietzsche

(...)
Se tendes, porém, um inimigo, não lhe devolvais bem por mal porque se sentiria humilhado; demonstrai-lhe, pelo contrário, que vos fez um bem.
E a ter que humilhar preferi encolerizar-vos. E quando se vos amaldiçoe, não me agrada que vós abençoeis. Amaldiçoai também.
E se vos fizeram uma grande injustiça, fazei vós imediatamente cinco injustiças pequenas.
Horroriza ver o que por si só sofre o peso da injustiça.
Já sabeis isto? Injustiça repartida é semi-direito.
E aquele que pode trazer a injustiça deve levá-la.
Uma pequena vingança é mais humana do que nenhuma. E se o castigo não é somente um direito e uma honra para o transgressor, eu não quero o vosso castigo.

É mais nobre condenarmos do que teimar, mormente quando temos razão. Somente é preciso ser rico bastante para isso.
Não me agrada a vossa fria injustiça: nos olhos dos vossos juizes transparece sempre o olhar do verdugo e seu gelado cutelo.
Dizei-me: onde se encontra a justiça que é amor com olhos perspicazes?
Inventai-me, pois, o amor que suporta, não só todos os castigos, mas também todas as faltas.
Inventai-me a justiça que absolve todos, exceto aquele que julga!
Quereis ouvir mais? No que quer ser verdadeiramente justo, a mentira muda-se em filantropia.
Mas, como poderia eu ser verdadeiramente justo? Como poderia dar a cada um o seu?
Basta-me isto: eu dou a cada um o meu.

(...)

F. Nietzsche

(...)
Ainda hoje te atormenta a multidão; ainda conservas o teu valor e as tuas esperanças todas.
Um dia, contudo, te fatigará a soledade, se abaterá o teu orgulho e cerrarás os dentes. Um dia clamarás: “Estou só!”
Chegará um dia em que já não vejas a tua altura, e em que a tua baixeza esteja demasiado perto de ti. A tua própria sublimidade te amendrontará como um fantasma. Um dia gritarás: “Tudo é falso!”
Há sentimentos que querem matar o solitário. Não o conseguem? Pois eles que morram! Mas, serás tu capaz de ser assassino?
Meu irmão, já conheces a palavra “desprezo”? E o tormento da justiça de ser justo para com os que te menosprezam?
Obrigas muitos a mudarem de opinião a teu respeito; por isso te consideram. Abeiraste-te deles e, contudo, passaste adiante; é coisa que te não perdoam.
Elevaste-te acima deles; mas quanto mais alto sobes, tanto mais pequeno te vêm os olhos da inveja. E ninguém é tão odiado como o que voa.
“Como quereríeis ser justo para comigo! — assim é que deves falar. — Eu elejo para mim a vossa injustiça, como lote que me está destinado”.
Injustiça e baixeza é o que eles arrojam ao solitário; mas, meu irmão, se queres ser uma estrela, nem por isso os hás de iluminar menos.
E livra-te dos bons e dos justos! Agrada-lhes crucificar os que invejam a sua própria virtude: odeiam o solitário.
E livra-te ainda assim da santa simplicidade! A seus olhos não é santo o que é simples, e apraz-lhe brincar com fogo... das fogueiras.
E livra-te também dos impulsos do teu amor! O solitário estende depressa demais a mão a quem encontra!
Há homens a quem não deves dar a mão, mas tão somente a pata, e além disso quero que a tua pata tenha garras.
O pior inimigo, todavia, que podes encontrar, és tu mesmo; lança-te a ti próprio nas cavernas e nos bosques.
Solitário, tu segues o caminho que te conduz a ti mesmo! E o teu caminho passa por diante de ti e dos teus sete demônios.
Serás herege para ti mesmo, serás feiticeiro, adivinho, doido, incrédulo, ímpio e malvado.
É mister que queiras consumir-te na tua própria chama. Como quererias renovar-te sem primeiro te reduzires a cinzas?
Solitário, tu segues o caminho do criador: queres tirar um deus dos teus sete demônios!
Solitário, tu segues o caminho do amante: amas-te a ti mesmo, e por isso te desprezas, como só desprezam os amantes.
O amante quer criar porque despreza! Que saberia do amor aquele que não devesse menosprezar justamente o que amava?
Vai-te para o isolamento, meu irmão, com o teu amor e com a tua criação, e tarde será que a justiça te siga claudicando.
Vai-te para o isolamento com as minhas lágrimas, meu irmão. Eu amo o que quer criar qualquer coisa superior a si mesmo e dessa arte sucumbe”.

(...)

sexta-feira, agosto 03, 2007

Jorge Trindade

"Vivo os dissabores de minha vida.
Esperança: algo fictício a que me apego, para todo o dia ressucitar.
E como já dizia a grande poetiza:
como odeio a luz do sol, que revela até o possível...

Morte: como posso abraçá-la,
pois o que prometes é a incapacidade de expressar minha dor ad infinitum.
Sinto que a voluntária degeneração se faz possível,
pois a perspectiva do fim, que por enquanto não exige, não passa de uma ocasião ainda remota.

Será então que entendi a vida como uma contínua
e dedicada preparação para a morte?"

F. Nietzsche

- Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia, disse Nietzche.

- Como assim, não oferecer companhia?

- Por não prezarem as coisas que prezo! Às vezes enxergo tão profudamente a vida que, de repente, olho ao redor e vejo que ninguém me acompanhou e que meu único companheiro é o tempo.


Quando Nietzsche Chorou

Augusto dos Anjos

Dizes que sou feliz. Não mentes.
Dizes Tudo o que sentes.
A infelicidade parece as vezes com a felicidade.
E os infelizes mostram ser felizes!

(...)
Bem como tu,
que nessa crença infinda
Feliz me viste no Passado, e ainda
Te persuades de que sou feliz!