segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Alice Ruiz

"algumas flores
teimam em viver

apesar do peso
apesar da morte
apesar de algumas

que teimam em morrer
apesar de tudo"

frases de nelson rodrigues

"Ninguém me conhece, mas eu me conheço.
Não sei o que fui. Sei o que sou."

"Não sou perfeita e nem gosto da perfeição. Perfeição pra mim é coisa de menina tocadora de piano e fazedora de bordado..."

"Sou linda... linda!E doce, e amorosa e triste. Tenho tudo o que não presta."

"Eu sei que ela pensa em ti,
e fecha os olhos.
E se tranca no quarto.
Para pensar em ti.
Até morta, pensará em ti."

"Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos."

"O que importa são os atos, e muito mais que os atos, os sentimentos. É a alma que está em questão"

"Não há inimigo insignificante. Todo inimigo é uma potência! O verdadeiro amigo é o inimigo. Pois você sabe que inimigo é quem vai cuspir na tua cova".

"Convém não facilitar com os bons, convém não provocar os puros. Há no ser humano, e ainda nos melhores, uma série de ferocidades adormecidas. O importante é não acordá-las".

"Só o cúmplice é fiel."

Na "mulher interessante", a beleza é secundária, irrelevante e, mesmo, indesejável. A beleza interessa nos primeiros quinze dias; e morre, em seguida, num insuportável tédio visual. Era preciso que alguém fosse, de mulher em mulher, anunciando: - "Ser bonita não interessa. Seja interessante!" (Nelson Rodrigues)

Nelson Rodrigues

Sabe qual representação do inferno faço para mim mesma? Não o vejo cheio de chamas, de labaredas, não o imagino ardendo em mil fogos eternos. Não, nada. Concebo um inferno como uma sala, confortável, tranquila e moderna, e, dentro dela, um homem e uma mulher, que não se gostam, e estão condenados a viver, perpetuamente, juntos. Se, depois de morta, eu tiver que pagar pelos meus pecados, que me sejam reservadas todas as provações e martírios. Menos um, menos o de ficar, para todo o sempre, ao lado de alguém que não me interesse.

Carlos D. de Andrade

Não passou


Passou?
Minúsculas eternidades
deglutidas por mínimos relógios
ressoam na mente cavernosa.


Não, ninguém morreu, ninguém foi infeliz.
A mão- a tua mão, nossas mãos-
rugosas, têm o antigo calor
de quando éramos vivos. Éramos?


Hoje somos mais vivos do que nunca.
Mentira, estarmos sós.
Nada, que eu sinta, passa realmente.
É tudo ilusão de ter passado
.

domingo, fevereiro 24, 2008

Fernando Pessoa

"Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.

Mas finge sem fingimento.

Nada 'speres que em ti já não exista,

Cada um consigo é triste.

Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,

Sorte se a sorte é dada."

Fernando Pessoa

"Já não me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar.

Nada me resta
Do que quis ou achei.
Cheguei da festa
Como fui para lá ou ainda irei

Indiferente
A quem sou ou suponho que mal sou,
Fito a gente
Que me rodeia e sempre rodeou,

Com um olhar
Que, sem o poder ver,
Sei que é sem ar
De olhar a valer.

E só me não cansa
O que a brisa me traz
De súbita mudança
No que nada me faz."

(FERNANDO PESSOA)

Pablo Neruda

"Amor meu,
me compreende,
te quero todo,
dos olhos aos pés, às unhas,
por dentro,
toda a claridade, a que guardavas.

Sou eu, meu amor,
quem golpeia tua porta.
Não é o fantasma, não é
o que antes se deteve
defronte da tua janela.

Eu ponho a porta abaixo:
entro em toda a tua vida:
venho viver em tua alma:
tu não podes comigo.

Tens que abrir porta a porta,
tens que abrir os olhos
para que eu busque neles,
tens que ver como ando
com passos pesados
por todos os caminhos
que, cegos, me esperavam.

Não me temas,
sou tua,
mas
não sou o passageiro nem o mendigo,
sou o que tu esperavas,
e agora entro
em tua vida,
para não sair mais,
amor, amor, amor,
para ficar."


De Los versos del capitán - NERUDA

Caio Fernando Abreu

"Em luta, meu ser se parte em dois. Um que foge, outro que aceita. O que aceita diz: não. Eu não quero pensar no que virá: quero pensar no que é. Agora. No que está sendo. Pensar no que ainda não veio é fugir, buscar apoio em coisas externas a mim, de cuja consistência não posso duvidar porque não a conheço. Pensar no que está sendo, ou antes, não, não pensar, mas enfrentar e penetrar no que está sendo é coragem. Pensar é ainda fuga: aprender subjetivamente a realidade de maneira a não assustar. Entrar nela significa viver .
Sôfrego, torno a anexar a mim esse monólogo rebelde, essa aceitação ingênua de quem não sabe que viver é, constantemente, construir, não derrubar. De quem não sabe que esse prolongado construir implica em erros, e saber viver implica em não valorizar esses erros, ou suavizá-los, distorcê-los ou mesmo eliminá-los para que o restante da construção não seja abalado.”
.

Caio Fernando Abreu

"Não consigo ver mais que isso: essa é a lembrança. Além dela, nós conversamos durante muito tempo na chuva, até que ela parasse, e quando ela parou, você foi embora. Além disso, não consigo lembrar mais nada, embora tente desesperadamente acrescentar mais um detalhe, mas sei perfeitamente quando uma lembrança começa a deixar de ser uma lembrança para se tornar uma imaginação. Talvez se eu contasse a alguém acrescentasse ou valorizasse algum detalhe, assim como quem escreve uma história e procura ser interessante - seria bonito dizer, por exemplo, que eu sequei lentamente seus cabelos. Ou que as ruas e as árvores ficaram novas, lavadas depois da chuva. Mas não direi nada a ninguém. E quando penso, não consigo pensar construidamente, acho que ninguém consegue. Mas nada disso tem nenhuma importância, o que eu queria te dizer é que chegando na janela, há pouco, vi a chuva caindo e, atrás da chuva, difusamente, uma roda-gigante. E que então pensei numas tardes em que você sempre vinha, e numa tarde em especial, não sei quanto tempo faz, e que depois de pensar nessa tarde e nessa chuva e nessa roda-gigante, uma frase ficou rodando nítida e quase dura no meu pensamento. Qualquer coisa assim: depois daquela nossa conversa - depois daquela nossa conversa na chuva, você nunca mais me procurou.”

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Caio Fernando Abreu

"Eu não tenho culpa. Não fui eu quem fez as coisas ficarem assim desse jeito que não entendo, que não entenderia nunca. Você também não tem culpa. A culpa é de todos e não é de ninguém. Não sei quem foi que fez o mundo assim horrível. Ás vezes, eu ficava horas pensando que podia valer a pena e então quem sabe podia tudo ser de outra forma... Depois de pensar nisso eu ficava alegre, mas depois pensava também que não ia adiantar nada e tudo começaria a ficar igual de novo no momento que você resolvesse trocar duas pedras por um pedaço de madeira, porque a madeira valia mais...E, de repente, outra vez iam existir essas coisas duras que vejo da janela, na televisão, no cinema, na rua, em mim mesma e que eu ia como sempre sair caminhando sem saber aonde ir, sem saber onde parar, onde pôr as mãos, os olhos, e ia me dar aquela coisa escura no coração e eu ia chorar durante muito tempo sem ninguém ver... é verdade, tenho pena de mim e sou fraca: nunca antes uma coisa nem ninguém me doeu tanto como eu mesma me dôo agora, mas, ao menos, nesse agora eu quero ser como eu sou, como nunca fui e nunca seria se continuasse, me entende?
Eu não conseguiria. E não, você não me entendeu, nem entende, nem entenderia... você nem sequer soube ou sabe, e você vai ler esta carta e nem vai saber que você poderia ser você mesmo e ainda que soubesse, você não poderia mais fazer nada, nem ninguém, eu já não acredito nessas coisas, por isso não te disse, compreende?
Talvez, se eu não tivesse visto de repente o que vi, não sei... no momento em que a gente vê uma coisa, ela se torna irreversível, inconfundível, porque há um momento do irremediável, como existem os momentos anteriores de passar adiante tentando arrancar o espinho da carne."

Fernando Pessoa

Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade
De rosas-
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
Tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves
E basta.

Caio Fernando Abreu

Tenho a boca afiada de punhais,
mas não choro
Olho os faróis com duros olhos
ardidos de quem tem febres,
mas não sangro
As mãos vazias deixam passar o vento
lavando os dedos que não se crispam,
mas não há palavras, nem mesmo estas
O único sentido de estar aqui
é apenas estar secamente aqui
cravado como um prego
em plena carne viva da tarde

17.07.1980

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Lygia Fagundes Telles

"Quero te dizer também que nós, as criaturas humanas, vivemos muito (ou deixamos de viver) em função das imaginações geradas pelo nosso medo. Imaginamos conseqüências, censuras, sofrimentos que talvez não venham nunca e assim fugimos ao que é mais vital, mais profundo, mais vivo. A verdade, meu querido, é que a vida, o mundo dobra-se sempre às nossas decisões."

Lygia Fagundes Telles

" Por que não lhe disse antes?
Apertá-lo demoradamente contra
o meu peito e dizer.
Não disse porque pensava que tinha
pela frente a eternidade.
Só me resta agora esperar que acontença outra vez,
vislumbro esse encontro -
mas vou reconhecê-lo?
E vou me reconhecer
nos farrapos da memória do meu eu?"

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Clarice Lispector

"Chego à altura de poder cair, escolho, estremeço e desisto, e finalmente me votando à minha queda, despessoal, sem voz própria, finalmente sem mim - eis que tudo o que não tenho é que é meu. Desisto e quanto menos sou mais vivo, quando mais perco o meu nome mais me chamam, minha única missão secreta é a minha condição, desisto e quanto mais ignoro a senha mais cumpro o segredo, quando menos sei mais a doçura do abismo é o meu destino. E então eu adoro".

Sartre

"Para mim, o que vicia as relações entre as pessoas é que cada um conserva, na relação com o outro, alguma coisa de oculto, de secreto. Penso que a transparência deve sempre substituir o segredo. E penso muito no dia em que duas pessoas não terão mais segredos entre si porque não mais os terão para ninguém, porque a vida subjetiva, assim como a objetiva, estará totalmente aberta."

J.P.Sartre

Hilda hist

" Áspero é teu dia. E o meu também.
Inauguro ares e ilhas
Para que o teu corpo se conheça
Sobre mim, mas é áspera
Minha boca móvel de poesia,
Áspera minha noite

Porque nem sei se o canto há de chegar
No escuro labirinto em que te fazes,
Nessa rede de aço que te envolve,
Nesse fechar-se enorme onde te moves.

Trabalho tua terra cada dia
E não me vês. O teu passo de ferro
Esmaga o que na noite foi minha vida
E recomeço. E recomeço. ..."
(Exercícios - Memórias - Hilda Hilst)

Hilda hist

De montanhas e barcas nada sei.
Mas sei a trajetória de uma altura
E certa fundura de águas
E há de me levar a ti uma das duas.
De ares e asas não percebo nada.
Mas atravesso abismos e um vazio de avessos
Para tocar a luz do teu começo.
Das pedras só conheço as ágatas.
Mas arranco do xisto as esmeraldas
Se me disseres que é o verde a dádiva
Que responde as perguntas da Ilusão.
E posso me ferir no gelo das espadas
Se me quiseres banhada de vermelho.

Em minhas muitas vidas hei de te perseguir.
Em sucessivas mortes hei de chamar este teu ser sem nome
Ainda que por fadiga ou plenitude, destruas o poeta
Destruindo o Homem.

Hilda Hilst in "SOBRE A TUA GRANDE FACE", 1986

domingo, fevereiro 10, 2008

Fernando Pessoa

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferentes a todos.
Faço-os calar.
Eu falo.

Hilda Hist

" Hoje te canto e depois no pó que hei de ser
Te cantarei de novo.
E tantas vidas terei
Quantas me darás para o meu rosto outra vez amanhecer
Tentando te buscar.
Porque vives de mim, Sem Nome,
Sutilíssimo amado,
relincho do infinito e vivo
Porque sei de ti a tua fome,
tua noite de ferrugem
Teu pasto que é o meu verso orvalhado de tintas
E de um verde negro teu casco e os areais
Onde me pisas fundo.
Hoje te canto
E depois emudeço se te alcanço.
E juntos
Vamos tingir o espaço.
De luzes.
De Sangue.
De escarlate."

Hilda Hist

"De luas, desatino e aguaceiro
todas as noites que não foram tuas
Meninos e amigos de ternura
Intocado meu rosto - pensamento
Intocado meu corpo e tão mais triste
Sempre a procura do teu corpo exato
Livra-me de ti!
Que eu desconstrua meus pequenos amores,
a ciência de me deixar amar sem amargura,
e que me dêem a enorme incoerência de desamar amando.
E te lembrando - fazedor de desgosto -
que eu te esqueça."