quarta-feira, agosto 22, 2007

F. Nietzsche

(...)
Ainda hoje te atormenta a multidão; ainda conservas o teu valor e as tuas esperanças todas.
Um dia, contudo, te fatigará a soledade, se abaterá o teu orgulho e cerrarás os dentes. Um dia clamarás: “Estou só!”
Chegará um dia em que já não vejas a tua altura, e em que a tua baixeza esteja demasiado perto de ti. A tua própria sublimidade te amendrontará como um fantasma. Um dia gritarás: “Tudo é falso!”
Há sentimentos que querem matar o solitário. Não o conseguem? Pois eles que morram! Mas, serás tu capaz de ser assassino?
Meu irmão, já conheces a palavra “desprezo”? E o tormento da justiça de ser justo para com os que te menosprezam?
Obrigas muitos a mudarem de opinião a teu respeito; por isso te consideram. Abeiraste-te deles e, contudo, passaste adiante; é coisa que te não perdoam.
Elevaste-te acima deles; mas quanto mais alto sobes, tanto mais pequeno te vêm os olhos da inveja. E ninguém é tão odiado como o que voa.
“Como quereríeis ser justo para comigo! — assim é que deves falar. — Eu elejo para mim a vossa injustiça, como lote que me está destinado”.
Injustiça e baixeza é o que eles arrojam ao solitário; mas, meu irmão, se queres ser uma estrela, nem por isso os hás de iluminar menos.
E livra-te dos bons e dos justos! Agrada-lhes crucificar os que invejam a sua própria virtude: odeiam o solitário.
E livra-te ainda assim da santa simplicidade! A seus olhos não é santo o que é simples, e apraz-lhe brincar com fogo... das fogueiras.
E livra-te também dos impulsos do teu amor! O solitário estende depressa demais a mão a quem encontra!
Há homens a quem não deves dar a mão, mas tão somente a pata, e além disso quero que a tua pata tenha garras.
O pior inimigo, todavia, que podes encontrar, és tu mesmo; lança-te a ti próprio nas cavernas e nos bosques.
Solitário, tu segues o caminho que te conduz a ti mesmo! E o teu caminho passa por diante de ti e dos teus sete demônios.
Serás herege para ti mesmo, serás feiticeiro, adivinho, doido, incrédulo, ímpio e malvado.
É mister que queiras consumir-te na tua própria chama. Como quererias renovar-te sem primeiro te reduzires a cinzas?
Solitário, tu segues o caminho do criador: queres tirar um deus dos teus sete demônios!
Solitário, tu segues o caminho do amante: amas-te a ti mesmo, e por isso te desprezas, como só desprezam os amantes.
O amante quer criar porque despreza! Que saberia do amor aquele que não devesse menosprezar justamente o que amava?
Vai-te para o isolamento, meu irmão, com o teu amor e com a tua criação, e tarde será que a justiça te siga claudicando.
Vai-te para o isolamento com as minhas lágrimas, meu irmão. Eu amo o que quer criar qualquer coisa superior a si mesmo e dessa arte sucumbe”.

(...)

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