terça-feira, setembro 02, 2008

Caio Fernando Abreu

"A lua está tão bonita que dói por dentro. Ele nunca me entenderia, afinal. É tudo tão bonito que me dói e me pisa. Fico pensando que nunca mais vai se repetir, é só uma vez, a única, e vai me magoar sempre. Não sei, não quero pensar. Nesse espaço branco de madrugada e lua cheia, preciso falar, e mais do que falar, preciso dizer. Mas as palavras não dizem tudo, não dizem nada. O momento me esmaga por dentro." (Caio F.)

"Alguma coisa em mim - e pode-se chamar isso de "amadurecimento" ou "encaretamento" ou até mesmo "desilusão" ou "emburrecimento" - simplesmente andou, entendeu? Eu tentei pensar em algo, mas vi que já não existe mais no que pensar. Talvez se tenha ido junto com o sol, com o calor. Pensei que talvez o sol e o calor pudessem voltar de repente, no momento exato em que a última chama se desfizer e alguém esboçar o primeiro gesto. Mas eles não voltarão. Seria bonito, e as coisas bonitas já não acontecem mais. Tô bem assim, bem indiferente. O coração, um cactus. Não me importo mais. É estranho, e não me parece falso, mas ao contrário: normal. Era assim que deveria ter sido desde sempre. E não se trata de evitar a dor: é que esse tipo de dor é inútil, é burra." (Caio F.)


"...prometo a mim mesmo nunca mais ouvir, nunca mais ter a ti tão mentirosamente próximo, e escapo brusco para que percebas que mal suporto a tua presença, veneno veneno, às vezes digo coisas ácidas e de alguma forma quero te fazer compreender que não é assim, que tenho um medo cada vez maior do que vou sentindo em todos esses meses, e não se soluciona, mas volto e volto sempre, então me invades outra vez com o mesmo jogo e embora suponho conhecer as regras, me deixo tomar inteiro por tuas estranhas liturgias, a compactuar com teus medos que não decifro, a aceitá-los como um cão faminto aceita um osso descarnado." (Caio F.)

Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais -por que ir em frente? Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia –qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido. (Caio F.)

"Às vezes me espanto e me pergunto como pudemos a tal ponto mergulhar naquilo que estava acontecendo, sem a menor tentativa de resistência. Não porque aquilo fosse terrível, ou porque nos marcasse profundamente ou nos dilacerasse - e talvez tenha sido terrível, sim, é possível, talvez tenha nos marcado profundamente ou nos dilacerado - a verdade é que ainda hesito em dar um nome àquilo que ficou, depois de tudo. Porque alguma coisa ficou. " (Caio F.)

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